Viver (Ikiru - Akira Kurosawa, 1952)
- Diogo Hiroyuki
- 23 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de abr. de 2020

- Só percebemos a beleza da vida próximos da morte. - Poucos são capazes de encarar a morte. - Os piores só entendem a vida na hora da morte. - Você está sendo esplêndido. Se rebelando na sua idade. - Seu espírito de rebeldia me tocou. - Era escravo da sua vida. Agora se tornou mestre.
Para muitos a obra prima máxima de Akira Kurosawa. Certa vez Francis Ford Coppola disse que o que distinguia Kurosawa dos demais é que ele não realizou uma ou duas obras-primas, mas oito obras-primas. Isto posto, chegar a um consenso sobre a maior obra do mestre é tarefa árdua. Em breve exercício de reflexão escolheria Rashomon, mas entendo que a escolha varia, quase sempre, com o momento em que o espectador se encontra, visto que o diretor japonês transitou por diversos gêneros fílmicos, apesar de ser vulgarmente conhecido como o diretor dos filmes de samurais.
A velhice foi objeto de estudo de vários cineastas no pós-guerra. No neorrealismo italiano de De Sica e Rossellini, por exemplo, a miséria foi utilizada como pano de fundo para evidenciar a problemática do idoso neste ambiente. No entanto, em Viver, diferentemente do Umberto (Umberto D.) de De Sica ou o Pai (Alemanha, Ano Zero) de Rossellini, Kurosawa utiliza-se da tristeza, melancolia e sobretudo o abandono como pano de fundo para contar a história do Sr. Watanabe. Neste contexto, o filme se aproxima mais da obra de Ozu.
Acompanhamos a vida do Sr. Watanabe, funcionário exemplar, sem única falta em trinta anos de trabalho, após a descoberta de um câncer terminal. Kurosawa usa esse argumento inicial para fazer um tratado sobre a existência humana e o desenvolve em estágios, como uma enfermidade.
Em primeiro momento o desalento toma conta do protagonista. Ao chegar em casa dois objetos pessoais servem como um gatilho para desencadear sensações distintas. O retrato da falecida esposa o faz recordar do momento que definiu a sua vida e de seu filho. A expressão corporal e facial do Sr. Watanabe ao olhar o retrato nos faz momentaneamente e instantaneamente refletir sobre como seria a sua vida em circunstâncias diferentes. Logo após, um taco de baseball o transporta a juventude do seu filho, em um período de inocência (absolutamente contrário ao atual momento) que o envolve em nostalgia.
Posteriormente, em um restaurante, se depara com seu Mefistóteles que o conduz a uma viagem ao fim da noite fellinesca. No entanto, o protagonista não tem a energia de Mastroianni. No fim da noite, resta-lhe apenas o esgotamento físico e emocional.
O dia desponta com os insuportáveis ruídos do cotidiano, explícitos nos trejeitos do protagonista. Surge então, como uma brisa fresca em um dia de verão, a jovem e independente colega de trabalho. A jovialidade da colega de imediato o contagia, mas assim como a brisa, a sensação é fugaz e logo se transforma em inveja. Porém, os encontros entre os dois são de suma importância para o protagonista compreender que ainda não é tarde para dar um propósito a sua vida.
Na cena mais dilacerante do filme o Sr. Watanabe demonstra toda a sua incapacidade em se comunicar com o ingrato filho. O olhar abatido e distante, o tom de tristeza cada vez mais presente na voz, as expressões corporais cada vez mais retraídas, em um conjunto, fazem a atuação de Takashi Shimura bastante verossímil.
O jantar, importante para a reflexão e discussão de temas que o filme discorre, pode ser considerado demasiadamente longo, opinião da qual discordo. De toda forma, o desfecho da ceia com o relato do policial é quase um prólogo para um dos momentos mais belos e poéticos da historia do cinema.
Comentarios