A Pior Pessoa do Mundo (Verdens verste menneske – Joachim Trier, 2021)
- Diogo Hiroyuki
- 7 de mar.
- 3 min de leitura

“Eu perdi tanto tempo me preocupando com o que podia dar errado.
Mas o que deu errado não foi nada com o que me preocupei.”
Há um vazio difícil de nomear, um incômodo silencioso que escolta a passagem do tempo e a lenta decomposição de quem um dia fomos. A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier, é um filme sobre essa sensação, sobre a melancolia de se perceber em constante mudança, de trocar de pele sem compreender precisamente para onde essas metamorfoses nos conduzem. Não há uma crise nítida, não há um evento traumático que defina Julie. Há simplesmente o tempo, que insiste em seguir, alheio, ao passo que Julie tenta equiparar seus passos hesitantes.
Renate Reinsve interpreta Julie com uma delicadeza assombrosa, capturando essa inquietação que parece pulsar em seu íntimo. Seus olhos sempre divagam por algo que nunca se materializa plenamente, como se a vida estivesse sempre um passo à frente, impenetrável. Suas aspirações e desejos se alteram antes que possa abraçá-los, suas paixões se transformam em desinteresse antes que se tornem concretas.
Trier filma essa trajetória com uma serenidade melancólica. O filme se desdobra como fragmentos de memória, capítulos desordenados de uma vida que em nenhum momento parece linear. A sequência em que Julie corre pelas ruas de Oslo enquanto o tempo congela ao seu redor é pura embriaguez sensorial, uma visualização da ilusão do amor como refúgio incondicional. Mas Trier não nos deixa permanecer nesse devaneio. Ele sabe que, por mais belos que sejam esses instantes de suspensão, a realidade imediatamente nos puxa de volta. E essa oscilação entre a quimera e a desilusão permeia todo o filme, como se estivéssemos frequentemente à beira de algo que jamais se concretiza absolutamente.
E então há a cena no hospital. Um monólogo que não se refere unicamente a morte, mas a perda de tudo o que um dia fez sentido. Não é apenas o corpo que se deteriora, mas também as conexões, predileções, os fragmentos de identidade que um dia aparentavam ser imortais. Aksel se apega à cultura que moldou sua vida, os quadrinhos, os filmes, as músicas, mas constata que até isso se desintegra. Ele discorre com uma resignação um tanto dolorosa, como quem compreende que o mundo avança sem esperar por ninguém. Esse é um dos momentos mais devastadores do filme, porque não aborda apenas o fim da vida, mas da lenta e silenciosa corrosão daquilo que um dia nos definiu. O que acontece quando tudo que amamos se torna irrelevante? Quando nos damos conta de que a versão de nós mesmos que um dia existiu já não pode ser readquirida? Trier não dramatiza essa cena, não a esconde em uma música emotiva. Ele apenas deixa as palavras existirem no ar, pesadas, incontornáveis.
Se há algo que A Pior Pessoa do Mundo compreende com primor é que o tempo é implacável. Cada escolha feita é também um adeus a todas as outras possibilidades que nunca serão vividas. E Julie sente esse peso. Não de maneira homérica, mas com melancolia contida e persistente que acompanha os momentos de transição. Ela vê as pessoas que amou se tornarem estranhos e sonhos antigos se transformarem em fotografias desbotadas.
No fim, A Pior Pessoa do Mundo retira-se sem promessas, apenas com a passagem do tempo e o peso do que ficou para trás. Julie está ali, presente, mas há um vazio ao seu redor, não o pungente da perda, mas um mais sutil e irreversível, o das versões de si mesma que desvaneceram com o passar dos anos. O universo segue seu curso, alheio às histórias que um dia aparentaram tão essenciais. Ela contempla, silenciosa, como se enfim entendesse que a vida não concede um grande desfecho, apenas a continuidade. E talvez não haja nada mais melancólico do que isso: entender que seguimos não porque encontramos um sentido, mas porque o tempo nos impulsiona, e tudo o que podemos fazer é existir dentro desse fluxo, carregando consigo a memória do que um dia fomos.
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