A Estrada da Vida (La Strada - Federico Fellini, 1954)
- Diogo Hiroyuki
- 28 de jan.
- 3 min de leitura

“Que cara engraçada.
Você é uma mulher ou uma alcachofra?”
Em Estrada da Vida, Fellini não nos oferece apenas uma história. Ele nos convida a percorrer uma estrada metafórica onde cada passo revela algo sobre a vulnerabilidade e a complexidade do ser humano. É um filme que toca prontamente ao coração concomitantemente em que provoca reflexões profundas sobre quem somos, o que carregamos e o que abandonamos.
No centro dessa jornada estão Gelsomina (Giulietta Masina) e Zampanò (Anthony Quinn), dois personagens que, apesar de aparentemente dissemelhantes, são faces complementares de uma mesma moeda. Gelsomina é a essência da pureza e empatia, com uma capacidade quase divina de encontrar beleza em um mundo que insiste em ser cruel consigo. Zampanò, por outro lado, representa a dureza de quem, aparentemente, ferido pela vida, constrói muros tão elevados que se torna incapaz de reconhecer a necessidade do outro. É essa relação, carregada de inquietação e silêncios, que conduz a narrativa.
O que torna o filme tão magnífico é a maneira como Fellini transcende o enredo para explorar temas universais. Somos expostos a como a conexão humana é essencial, mas também dolorosamente árdua. Em Gelsomina, vemos o poder transformador da bondade, mesmo quando ela não é reconhecida. Em Zampanò, encontramos o vazio de uma vida vivida sem vulnerabilidade, onde o receio de sentir alguma coisa cessa qualquer possibilidade de aproximação do que realmente é essencial à vida.
A estrada que os personagens percorrem é mais que um dispositivo cênico; é uma metáfora do próprio ato de viver. Cada vilarejo, cada espetáculo e cada interação com terceiros são pequenos fragmentos de uma jornada maior: a busca por sentido em um mundo conturbado. Mas esta busca nem sempre termina com respostas estritamente óbvias. Fellini nos sugere que a fortuna está no caminhar da estrada, nos momentos de encontro, nos relacionamentos finitos e fugazes, nos significativos e profundos e, infelizmente, mas sobretudo, nas perdas.
A direção de Fellini brilha ao transfigurar o cotidiano em extraordinário. O olhar melancólico de Gelsomina, capturado com ternura, diz mais do que qualquer diálogo. Cada gesto e cada expressão são carregados de significados ocultos, como se estivéssemos lendo passagens de um poema visual. A trilha sonora de Nino Rota, que une delicadeza a um ar puro, quase infantil, amplia o espaço emocional do filme. Relembrar o tema principal sem sentir um nó na garganta é quase impossível. A mim, a música soa como a voz de tudo o que os personagens não conseguem expressar.
O desfecho, devastador, é uma das maiores provas do talento de Fellini em lidar com o humano. Ele não concede conforto, tampouco redenção fácil, mas algo muito mais profundo: um espelho para nossa própria condição. Zampanò, ao perceber o que perdeu, nos lembra que muitas vezes só compreendemos o valor de algo quando já é tarde demais. E Gelsomina, em sua ausência, permanece como um símbolo de como afeição e bondade podem tocar e transformar, mesmo que momentaneamente, as vidas ao nosso redor.
A Estrada da Vida é mais que um filme; é uma reflexão sobre o que significa existir em um mundo onde a beleza e a dor caminham lado a lado. É sobre como, apesar de nossas falhas e durezas, há algo intrinsecamente belo na nossa capacidade de sentir, de conectar e de buscar sentido. Fellini nos oferece uma obra que, simultaneamente, nos destrói e nos reconstrói.
Em cada cena, há uma insinuação sutil: somos andarilhos em uma estrada, carregando nos ombros medos, esperanças e, sobretudo, nossa humanidade.
Análise incrivelmente interessante e bela. Parabéns pelo trabalho! 😊