Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath - John Ford, 1940)
- Diogo Hiroyuki
- 24 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de abr. de 2020

“Eu estarei nos cantos escuros.
Estarei em todo lugar.
Onde quer que olhe.
Onde houver uma luta para que
os famintos possam comer, eu estarei lá.
Onde houver um policial
surrando um sujeito, eu estarei lá.
Estarei onde os homens gritam
quando estão enlouquecidos.
Estarei onde as crianças riem quando estão
com fome e sabem que o jantar está pronto.
E, quando as pessoas estiverem
comendo o que plantaram
e vivendo nas casas que construíram,
eu também estarei lá.”
Henry Fonda (Tom Joad) caminha solitariamente pela estrada em um cenário infértil com o horizonte ao fundo. O breve plano inicial prolonga-se o suficiente para percebermos que estamos diante de um John Ford.
O andarilho, então, consegue uma carona com um receoso caminhoneiro. O tom de desconfiança na voz e na intromissão das perguntas do caminhoneiro faz com que Tom Joad revele, sem pesar, que esteve encarcerado por quatro anos por homicídio. John Ford sempre foi fascinado por personagens de moral dúbia.
No caminho de casa encontra um velho conhecido, um pastor que deixou o ofício por ter perdido “o chamado”. O casual encontro resulta em uma amizade que perdura até o momento crucial de suas vidas. Quatro anos preso o deixaram tão alheio ao mundo que aparenta desconhecer a devastação causada pela Grande Depressão. Isso pode ser constatado quando ele se depara com sua casa abandonada, entregue as traças. Restaram as fortes rajas de vento e a miséria.
Ainda em sua casa, encontra o antigo amigo Muley que em intenso testemunho conta-lhes que todas as famílias da vizinhança haviam sido expulsas de suas terras. A cena em que um dos membros da comunidade conduz o trator através de uma das casas sem olhar para trás, evidencia a severidade do momento que o país atravessava. Muley era o único remanescente da comunidade. O vínculo afetivo e cultural por sua terra o fez vagar como um fantasma de cemitério pela região.
Tom Joad e o ex-pastor vão ao encontro da família Joad. O reencontro com a família demonstra o espírito quase inabalável da família. Um dos integrantes da família mostra um panfleto com oportunidades de emprego na Califórnia e não é necessária grande reflexão para os Joad decidirem por migrar ao, até então, único estado industrializado da região oeste norte-americana. O dia amanhece com o patriarca vociferando sua angústia ao deixar o lar com a silhueta abatida do neto ao fundo. Apesar de contornada a situação, esse é o primeiro sinal de abatimento da família Joad e expõe como o vínculo afetivo ao lar é universal.
A jornada em uma precária caminhonete apresenta diversos obstáculos aos Joad desde a miséria, morte, corrupção, segregação, e mais miséria. A cada gota de esperança, um oceano de desumanidade. Jane Darwell em belíssima interpretação no papel da inabalável mãe/filha/chefe de família compartilha com Henry Fonda o clímax do filme, um dos maiores discursos do cinema, que termina em um plano em que Henry Fonda caminha ao longe com o horizonte ao fundo. A cena me fez recordar do conselho (como filmar o horizonte) que John Ford deu ao jovem Steven Spielberg. O já experiente Spielberg assimilou a sugestão e a utilizou no magnífico plano final de Cavalo de Guerra.
Das adaptações (Kazan, Ford, Fleming) de Steinbeck, Vinhas da Ira é, de longe, a minha preferida. Bruce Springsteen também fez uma bela homenagem à obra de John Steinbeck e aparenta ter profunda inspiração visto que ambos tratam da problemática do proletariado.
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