Um Corpo Que Cai (Vertigo - Alfred Hitchcock, 1958)
- Diogo Hiroyuki
- 1 de mai. de 2020
- 2 min de leitura

“Devo ter nascido por aqui, e ali morri.
Para você, foi só um momento. Você nem notou.”
Discorrer sobre Hitchcock é profundamente lancinante. Independente da obra analisada, o desenlace das observações costuma ser permanentemente o mesmo, isto é: paródia, pleonasmo e redundância. Não obstante, refletir sobre Um Corpo Que Cai é oportuno, sobretudo, para disseminar – ainda mais – os filmes do mestre do suspense.
A admiração notória e mútua entre Hitchcock e Buñuel transpõe as exaltações que um fez a obra do outro e atinge pontualmente suas obras. Um Corpo Que Cai, imagino quase como uma obra do surrealismo, especialmente pelo plano inicial, o pesadelo de John Ferguson, e o mise en scène para nós (espectadores) e Scottie sobre o quão ilógico o trabalho oferecido pelo marido da personagem de Kim Novak (em auge da beleza e talento) o é.
A cena do restaurante em que Scottie contempla – pela primeira vez – Madeleine, com a música de Bernard Herrmann ao fundo; o caminhar de Madeleine até o enquadramento da imagem desta postagem, assemelha-se extremamente a uma obra de arte, possivelmente e metaforicamente a própria personificação da Carlotta Valdes antes que saibamos as nuances do enredo. E toda a grandiosidade desta cena, e quando digo grandiosidade, me refiro à beleza como estado da arte da maneira mais sublime que há, é precisamente e rigorosamente o que Bernard Herrmann se propunha a realizar com suas composições, isto é, a harmonia de tudo que está exposto em cena com sua música.
Indubitavelmente, a música de Herrmann é personagem não palpável, mas extremamente relevante para a trama, pois dá o tom em diversos planos (cena da floricultura: a música em tom de suspense ao adentrar o prédio; a abertura da porta – quase em momento peeping tom – e a mudança para um tom mais lírico e sentimental). Se Um Corpo Que Cai fosse um filme mudo, ainda assim, teria mais a “dizer” do que a maioria dos filmes lançados até hoje. Mérito, logicamente, dos atores pela expressividade, tornando palavras vazias, mas, essencialmente pela força e sutilezas da música de Herrmann que, em união, por vezes, evoca a uma ópera italiana trágica.
É magnífico como Um Corpo Que Cai goza da atemporalidade fílmica, como poucos conseguem. Principalmente se levarmos em consideração o quão o estilo de Hitchcock foi / é simulado durante a história. Talvez pela viagem ao inconsciente, talvez pela marca de permitir – como costumeiramente, permite – que o espectador esteja sempre a um passo à frente do protagonista, talvez pela tratativa do amor, o remorso do amor, a culpabilidade de amar, talvez pela catarse do plano final do filme, em que não há júbilo algum da liberdade do mal (vertigem) e, quando se olha para o abismo e não há medo da vertigem, mas da solidão, de recordar e viver a perda do amor, desta vez.. Definitiva.
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